O título do artigo é chamativo e pode parecer forte porque a palavra “canetaço” soa como algo executado com alguma pressão ou abuso de poder.
Mas não é isso que iremos tratar, o objetivo do título é chamar a atenção para a complexidade da regulação e da necessidade do despertar para toda a transformação do setor elétrico em que o Brasil está experienciando neste exato momento.
O feriadão de carnaval foi um período de trabalho para quem está envolvido na busca de soluções para a questão das reprovas de conexão das novas instalações de sistemas solares e de geradores dentro da Geração Distribuída de energia.
O problema já vem se arrastando desde meados de 2023 e perturbando o crescimento do mercado pois a ANEEL-Agência Nacional de Energia Elétrica publicou uma Resolução Normativa um tanto na contramão dos anseios dos empreendedores voltados a este mercado. A geração de energia elétrica e a injeção na rede da concessionária de energia passou a ser uma roleta russa isto porque com o pretexto de um dos artigos da nova regulação, qualquer distribuidora de energia pode reprovar a conexão da usina recém-construída alegando que os cabos de energia da rede pública não têmcondições técnicas e que a injeção de energia excedente irá ocasionar distúrbios elétricos. Para as empresas que vendem esta tecnologia e que já vinham tentando se adaptar a uma queda nas vendas devido ainterpretação das novas regras trazidas pela Lei Federal 14.300/22.
A lei mencionada (Marco Legal da Energia Solar) passou a permitir que as concessionárias cobrem pelo uso do fio onde a energia gerada excedente é injetada. Até aí tudo bem pois isto já era previsto e foi acordado entre os agentes do setor elétrico antes da aprovação da lei.
A decepção dos empresários do setor de energia solar é em relação aos itens redigidos na Lei Federal e que ainda não estavam, e muitos ainda não estão regulamentados pela Agência Reguladora. O prazo para definir várias destas regras como por exemplo a valoração dos benefícios da GD, e as regras de cobrança do uso da rede elétrica a partir de 2029 ainda não foram apresentadas pela Agência Reguladora.
Mas ao contrário, a agência providenciou um conjunto parcial deregulamentações por intermédio da REN 1059/23 apontando para possibilidade de impedimento de se conectar usinas onde a concessionária de energia, após apresentação de um estudo de análise das condições da rede elétrica, identifique a possibilidade de fluxo inverso de potência. Essa análise está prevista no Artigo 73 da nova Resolução Normativa e vai contra o espírito da Lei Federal. Mas não é apenas este item que trouxe barreiras para o mercado, pois nesta mesma resolução tivemos o fim da compensação de energia em usinas solares de consumidores classificados como “B-Optante“ e a possibilidade dacobrança de TUSD-Geração para a microgeração. Este ponto da cobrança de demanda sobre microgeração (TUSD-Geração) ainda trará muitos debates, embates e processos judiciais até ser de fato pacificado, enquanto que a questão do “B-Optante” já tem tramitação de centenas de processos judiciais.
A dificuldade trazida aos empreendedores, aliás são milhares e milhares de empresas instaladoras afetadas, é que estas inovações na regulação foram danosas e inesperadas, trazendo mais dores de cabeça pelapossibilidade da interpretação ambígua da lei. Aí começou mais umaromaria em Brasília para tentar encontrar no Poder Legislativo algum mecanismo de correção do rumo dado pela Agência Reguladora, uma vez que existe hierarquias onde uma Lei Federal não pode ser submissa a uma Resolução Normativa. Mas não foi só em Brasília que o bicho pegou! Em Belo Horizonte e em Porto Alegre, onde os registros de reprovas de novos projetos estão sendo mais frequentes aconteceram manifestações, audiências nas Assembleias
Legislativas e muitas reuniões com concessionárias e governos locais. Outros estados começaram a se mobilizar para também cobrar soluções pois ficou impossível vender sem saber se a concessionária de energia vai aprovar a conexão na rede elétrica.
Associações foram criadas e movimentos regionais se organizaram em torno do tema chamado “Fluxo Inverso de Potência”. Isto sem mencionar as inúmeras ações e eventos das reconhecidas entidades de amplitude nacional que defende o setor das energias limpas e da Geração Distribuída.
Numa destas reuniões regionais, onde empresários se uniram para presencialmente discutir soluções com a permissionária Eletrocar, uma cooperativa de eletrificação rural localizada na região do município deCarazinho, no interior do Rio Grande do Sul, usei na minha fala uma frase de impacto que surgiu na hora: “A eletrônica de potência pede passagem”. Aqui se inaugura o debate sobre um dos novos desafios que posso afirmar será o mais importante de todos: A modernização de toda a rede de distribuição de energia para embarcar estas novas tecnologiastrazidas pela Geração Distribuída. Serão inúmeros artigos produzidos sobre o impacto da eletrônica de potência e a possibilidade de novos e estratégicos serviços ancilares para dar mais segurança energética em tempos de enfrentamentos dos eventos climáticos extremos que tem acontecido com mais frequência e intensidade e nesta esteira a segurança energética passará a ser questão prioritária.
Mas vamos voltar ao assunto principal do artigo, o mencionado canetaço da ANEEL. Em sua reunião periódica ordinária de semana passada, os diretores discutiram por 3 horas a questão das reprovas das conexões das novas usinas. Nesta reunião já observamos uma vitória para os empreendedores, porque os diretores da Agência Reguladora entenderam o recado vindo de vários canais, inclusive gerando irritação de técnicos da agência sobre notícias divulgadas de uma possível solução. Neste momento já estava claro para os diretores da ANEEL e para a sociedade, de que algo precisaria ser feito imediatamente. Lembrando inclusive que tem Projetos de Leis tramitando no Congresso Nacional para corrigir a redação desta Resolução, porém como todos sabem, a pauta legislativa está muito conturbada com temáticas envolvendo reformas tributárias, CPIs e outros matérias de grandeimpacto na sociedade, enquanto isso a pauta do setor de energia solar não conseguiu um espaço para ser levado a votação o seu PL.
A solução então poderá vir mesmo é pela Agência Reguladora e deveráacontecer ainda em março se tudo correr dentro do esperado. O rito regulamentar consiste inicialmente na abertura uma Consulta Pública e isto já aconteceu. Quem quiser ter acesso ao conteúdo basta entrar na internet e digitar no seu navegador de busca a frase: “consulta pública 3/2024 ANEEL” e já aparecerá o link correto onde consta todas as informações que podem ser baixadas e estudadas. Importante a participação neste processo pois o momento de juntar esforços chegou.
A Consulta Pública é um ato democrático, aberto para contribuições de qualquer entidade ou cidadão brasileiro. E poderá ser feito pela internet até o dia 23 de fevereiro. Após esta data se encerra as contribuições e se inicia a próxima etapa onde as superintendências responsáveis irão avaliar as contribuições. Após a avaliação das superintendências, será agendada uma Audiência Pública aberta ao público e transmitida via internet. Nesta audiência será aberto espaço para as pessoas e entidades que se inscreverem para fazer uso da palavra. O tempo do uso da palavra é limitado entre 5 a 10 minutos para que todos possam se expressar e apresentar sua defesa de forma clara, técnica e focada no tema. Após isto, a minuta que já está previamente redigida e ajustadacom as contribuições que for julgado tecnicamente viável, será levada a votação pelos 5 diretores da ANEEL, o que poderá acontecer no mesmo dia. Se o rito se cumprir desta forma, alcançaremos a correção ou o esclarecimento da forma que o artigo 73 da Resolução Normativa deverá ser aplicado para as conexões de usinas na rede pública de energia elétrica. Assim o assunto ficará pacificado e os empreendedores, os técnicos, engenheiros e principalmente os consumidores terão uma clareza maior sobre esta questão.
Assim, o tema precisa ser tratado com prioridade pelos empreendedores do setor, não se trata de um canetaço, mas sim de um processo democrático e transparente onde todos os agentes do setor elétrico irão participar, não apenas os que são favoráveis ao ingresso de novas tecnologias limpas no setor, mas também aqueles que defendem o “status quo” vigente de geração de larga escala com investimentospúblicos bilionários em redes de transmissão, e sem a transformação e modernização do setor elétrico brasileiro. Fica aqui o convite para que os empreendedores e aos entusiastas da defesa do setor mais democratizado se façam participativos neste processo.
Renato Zimmermann
Comments