Por: Renato Zimmermann - Mentor e Consultor em Sustentabilidade
Enquanto um deputado federal consegue a façanha de aprovar um pedido de urgência para tentar aprovar a toque de caixa um projeto de lei para limitar o crescimento da Geração Distribuída no Brasil, vamos exercitar uma reflexão das discussões que deveriam de fato permear a geração de energia no Brasil.
Partimos da premissa já aceita por todos de que energia elétrica é um serviço essencial básico para o desenvolvimento do Brasil. Um direito de todo o cidadão, fato este consolidado a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988.
Vencido a unificação deste entendimento, precisamos então exercitar outros pontos de reflexão sobre o serviço de energia elétrica, sobre o mercado elétrico e sobre as suas políticas públicas para inclusão e justiça energética. Serão inúmeros artigos para abordar todos estes itens e outros mais que surgirão e que irão gerar novos conteúdos para as próximas edições desta coluna.
Vamos começar então falando da Geração Distribuída, conhecida também pela sigla “GD”. Trata-se de uma evolução espetacular do setor elétrico pois a partir de sua implantação no Brasil, o consumidor passou a ter a autorização para gerar a sua própria energia. Sem dúvidas, gerar uma energia de menor custo e de forma limpa, renovável e sustentável.
E este empoderamento do consumidor está no centro desta revolução energética, e o começo da trilha da transição energética. Vejam o diagrama feito por técnicos da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, o Órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia encarregado de realizar e divulgar pesquisas do setor.
Com a Geração Distribuída, a sociedade brasileira inaugura uma nova etapa evolutiva de modernização que poderá e deverá revolucionar o modo que as pessoas se relacionam com a energia elétrica. Assim como aconteceu com a telefonia, a internet e outros serviços.
Para um entendimento do funcionamento, GD é toda a geração de energia elétrica mais próxima aos locais de consumo e cuja geração é de pequena escala. São os populares painéis de energia solar nos telhados das construções. O nome Geração Distribuída foi criado em 2012 junto com uma resolução normativa onde permitiu que qualquer cidadão brasileiro gere sua energia e a concessionária de energia (distribuidora) será obrigada a aceitar e deverá colocar um relógio especial que irá fazer a contabilidade de toda a energia que é emprestada para a rede quando o consumo na residência ou propriedade está menor do que a geração de eletricidade e a energia excedente é exportada realizando assim um empréstimo provisório de energia que poderá ser usufruída pelas propriedades vizinhas.
Este mecanismo de geração demorou para ficar popular no Brasil, devido a alguns fatores, talvez pela própria dificuldade do mercado em se organizar e criar valor para a solução trazida. Com o tempo, os painéis solares tiveram seus custos de investimento menores e a tecnologia foi melhorando e assim resultou na instalação de mais de 2 milhões de pequenas usinas pelo Brasil. A maioria são microusinas de geração solar, mas existe a geração das usinas eólicas com os ventos, o biogás que é a captura do gás metano e sua queima, da hídrica produzido pelo movimento das águas e a biomassa com uso de materiais de descarte como bagaço, caroços e cascas. Qualquer fonte de energia conectada na rede da concessionária é uma GD. E para isso precisa obedecer às normas, regulamentos e legislação do setor.
A GD agrega grande valor para o que são chamados de revolução verde, de economia circular e transição energética. Mas o mercado parece não entender isto, e pagou um alto preço por isso. As vendas são feitas com anúncios “elimine sua conta de energia”, “pare de gastar com energia”, “Sua conta de energia está cara?” Ressaltando apenas um ganho econômico. Os próprios empreendedores que trabalham no setor se acostumaram a realizar altas receitas de vendas sem precisar mostrar todos os reais valores da solução que estavam entregando. É comum ver um consumidor surpreendido com a aquisição pois só depois que comprou ele notou que recebeu muito mais do que pensou.
Enquanto a mídia replica discursos de que o brasileiro “paga caro pela energia”, o que enxergamos são oportunistas contrários a essa revolução tentando desvirtuar a atenção da verdadeira discussão sobre quais os mecanismos são mais eficientes para o funcionamento do setor elétrico brasileiro. Não surpreende que o Presidente da República recebeu neste mês um grupo intitulado “representantes dos consumidores” com um pacote pronto de recomendações como se estes fossem os “dez mandamentos do setor elétrico”. De prático o próprio presidente solicitou que um Grupo Técnico de trabalho fosse montado, e até agora sem a participação de pessoas de nível técnico e de comprometimento para representar o setor de GD. Este desvirtuamento parece mais um jogo de cartas marcadas onde quem sairá perdendo será a sociedade brasileira, e principalmente, as camadas mais pobres da população que ficarão ainda mais vulneráveis a um serviço deficitário. E se for acrescido os apagões originados pelos eventos climáticos extremos, ficaremos ainda mais sob o risco do colapso.
Agora sim, vamos entrar na temática principal, a Geração Distribuída no início da trilha da transição energética e do verdadeiro empoderamento do consumidor, dentre todas as benesses para o brasileiro, irá trazer tarifas menores, melhores tecnologias e mais eficiência, fluidez, inteligência e segurança energética.
Uma pergunta paira no ar: Quanto custa a segurança energética em dias de apagão?
Outra pergunta: Acreditam mesmo que grandes usinas feitas pela Petrobrás em águas profundas irão conseguir atender as grandes cidades quando os eventos climáticos extremos acontecerem?
Sejamos realistas ao aceitar que temos que mitigar os efeitos dos eventos climáticos, sejam estes tornados, ciclones, alagamentos ou as estiagens prolongadas. E acrescente as ondas de calor insuportável que aumenta o consumo energético e coloca o sistema em risco de colapso pelo superaquecimento dos seus dispositivos.
Porque não a GD como fator mitigante? Pensam em aprovar uma lei federal para limitar a produção própria de energia, ao invés de criar leis que obriguem as concessionárias a possibilitar uma participação mínima da GD junto a rede pública para assim a sociedade ter mais garantias nos serviços básicos como o abastecimento de água, serviços de saúde, conserva dos alimentos e segurança pública.
Vejam, a GD é quem pode aliviar as grandes cidades de um colapso em seu funcionamento. Garantir que os semáforos funcionem, que os supermercados tenham seus alimentos refrigerados garantindo segurança alimentar, os hospitais e os serviços de segurança todos operantes. Lembrando também que sem energia, as bombas de água ficam inoperantes e cessa o abastecimento público de água potável. E todos estes benefícios sociais da GD são com energias limpas, descentralizadas e democratizadas.
O sentimento é que estamos exatamente nesta encruzilhada da transição energética. E a sociedade brasileira precisa ser alertada do rumo que o setor elétrico poderá tomar. Hoje podemos afirmar que estão tomando decisões importantes sem uma devida discussão e sem a participação de todos os segmentos da sociedade.
Temos uma pauta extensa em discussão, mas a principal sequer é mencionada que é transformar nossa rede elétrica num “smartgrid”, uma rede inteligente. E esta nova rede deveria ser o foco de todas as discussões e regulações atuais. Vejam, a Geração Distribuída está inovando trazendo novas tecnologias baseadas na eletrônica de potência, enquanto isso nossa rede de distribuição é obsoleta e não tem competência para beneficiar a sociedade com o funcionamento inteligente e automático que a trilha evolutiva poderia nos direcionar.
Uma nova rede de energia elétrica, mais resiliente deverá ter as devidas adaptações para que a eletrônica de potência proporcionada pela Geração Distribuída e seus dispositivos tecnológica estão embarcando no sistema elétrico. Com esta nova rede, teremos custos de energia menores, mais segurança energética, mais estética visual, mais conforto, mais acessos, mais justiça e diversidade de soluções.
Então fica a reflexão de que estamos míopes por conta da lente estar desfocada e esta visão embaçada irá nos levar a um colapso no funcionamento da economia. Quem ganha com isso?
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