Por Ansgar Pinkowski
No recente Congresso Green Rio, participei de um painel intitulado "Bioeconomia e Negócios" e pude discutir o papel central que historicamente a energia sempre teve na agricultura. Fato é que sempre dependemos do campo para gerar energia, e precisamos resgatar esse vínculo para combater as mudanças climáticas.
O carvão e óleo que estamos usando hoje é a biomassa de milhões de anos atrás que foi se decompondo e comprimindo até se transformar nos combustíveis fósseis e virou a fonte do nosso conforto e riqueza. Esse processo natural de CCS (Carbon Capture and Storage) é importante para o equilíbrio do clima da Terra. Porém é fato que a exploração e emissão deste enorme estoque de carbono, a pouco mais de 150 anos, resultou na sobrecarga atmosférica e é a principal causa da mudança climática que estamos enfrentando.
É igualmente importante destacar e relembrar que as primeiras tentativas de motorização ainda usavam combustíveis que vieram de fontes biológicas. Rudolf Diesel, por exemplo, recebeu a patente do motor que hoje carrega o seu nome em 1983 usando óleo de amendoim.
Um outro exemplo é o Henry Ford. O pai da produção de carros em série cresceu no campo e sempre defendeu de usar etanol para os seus carros para garantir uma independência dos fazendeiros no uso de motores. Infelizmente, devido às guerras mundiais e outros eventos, os combustíveis fósseis ganharam cada vez mais espaço, e o uso de combustíveis de origem biológica foram ficando em desvantagem mercadológica.
Obviamente, a ampla utilização do óleo combustível trouxe muito conforto e sem dúvidas gerou muita riqueza em vários países. E a minha provocação vem justamente como contraponto a esse cenário: é viável voltar a ter a fonte de energia oriunda do campo?
Acredito que sim, apesar de termos hoje 8 vezes mais pessoas no mundo com um consumo de energia per capita maior que no início do século passado, temos também tecnologias disponíveis para fazer essa "desfossilização" da nossa energia. Porém, a mudança só pode ser feita se começarmos a definir o uso das diferentes fontes de energia não pela comodidade e lucratividade do seu uso, mas pelo impacto ambiental que ele causa.
Essa mudança de paradigma no uso de energia significa, por exemplo, promover a geração e uso de energia elétrica de fontes renováveis como a primeira opção. Isso inclui a expansão de uso na mobilidade, nos processos industriais, entre outros.
Além de produção de derivados verdes como amônia ou metanol, o hidrogênio (verde e/ou renovável) deve ser usado como uma bateria química possibilitando estocar energia de médio a longo prazo e como buffer para reduzir as intermitências das fontes renováveis. Com isso criamos espaço para o uso de combustíveis biológicos como SAF, metanol verde ou biodiesel nos processos "hard to abate" como na mobilidade aérea, marítima ou rodoviária para caminhões de longa distância. Além disso, o Gás Natural de fontes fósseis pode ser substituído gradativamente por biometano, produzido a partir da decomposição anaeróbia de matérias orgânicas.
E o Brasil, mais uma vez, pode se tornar um protagonista nesta verdadeira transição energética. Além das energias renováveis em abundância possuímos um potencial de biomassa gigantesca e ainda mal aproveitada. Não estou falando da Amazônia que precisa ficar intacta, e que devemos proteger acima de tudo, mas de muitas outras fontes de biomassa que hoje já existem, porém ainda não são aproveitadas adequadamente na própria agricultura.
Para que essa transformação aconteça é necessário uma política energética, agrícola e ambiental que trabalhe de forma integrada, com olhar para esse propósito, e que esteja alinhada à regulamentação.
Compreendo e reconheço que com as recentes leis aprovadas do Combustível do Futuro e do Hidrogênio Verde, e o fortalecimento da Renovabio, os primeiros passos foram dados. Entretanto, além disso, outras ações podem ser feitas: como estimular a construção de biorrefinarias para que o pequeno e médio agricultor integrado em cooperativas possa fornecer as devidas matérias primas.
Isso não é sonho, ao contrário. Isso pode ser uma oportunidade real para o Brasil traçar um novo caminho para a transição energética, que de forma integrada, com inteligência e tecnologia, atua em prol de um planeta com energia mais limpa e muito melhor para as futuras gerações.
O novo caminho da Transição Energética começa no campo.
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